DO SOCIAL AO SACRO NAS OBRAS DO MISSIONÁRIO FÚLVIO GIULIANO


Com o discurso de integrar o Amapá as “rodas do progresso” nacional, Getúlio Vargas criou o Território Federal do Amapá (TFA), em 13 de setembro de 1943 através do Decreto-Lei 5.812. Interligando promessas desenvolvimentistas e de exploração das riquezas do TFA, o primeiro governador territorial, Janary Gentil Nunes, se esforçou para dar destaque a iniciativas que conjugavam desenvolvimento humano a rebatimento da cultura ribeira enquanto elemento de atraso social, econômico e cultural dos ribeirinhos. Nesse intento, o Capitão Janary esforçou-se para empreender reformas que propunham apresentar aos amapaenses a cultura dos grandes centros do poder econômico e político, em âmbito nacional (Rio de Janeiro) e no regional (Pará) como parâmetro estético.

Nos anos 50, 60 e 70 do século passado, o compasso das ações de soerguimento do Território do Amapá abriram portas para o favorecimento de inúmeros artistas plásticos, sendo alguns no campo paisagístico (dentre eles: Raimundo Braga de Almeida - R. Peixe, Mario Barata, Donato dos Santos, Carlos Nilson, Nina Barreto) e outros no campo da arte sacra (missionários Lino Simoneli e Fúlvio Giuliano - ambos do Pontifício Instituto das Missões ao Exterior, Pime).

Padre Fúlvio destacou-se pela produção de quadros que capturam a miséria espiritual e material dos desvalidos do Amapá. Em suas telas é observado trabalhos de inúmeras influências, como cubismo (com expressões em cores marcantes, formas e volumes geométricos) e até mesmo o bizantino, através de representações iconográficas. Com o passar do tempo a maturidade artística foi tomando forma mais expressiva, passando então a retratar as vivências constituídas a partir do contato cada vez mais próximas às comunidades ribeiras. Na dimensão da pauta social, o amazônida é desnudado da natureza eurocêntrica (visão de subcultura que desabona a cultura dos povos da Amazônia), passando a retratar, dentre outras práticas culturais, as mazelas sociais, perpassando temas sobre trabalho, rituais de velório e miséria humana.

Dessa forma, é oportuno garantir que Fúlvio inaugurou - na região da foz do Amazonas - no campo das artes plásticas a valorização dos costumes das famílias ribeirinhas, bem como um artista inaugural na dimensão da pintura sacra. O conjunto de sua obra convida o observador a ter contato com a marcha da Igreja no Amapá, comportando ainda fragmentos da memória social de Macapá (e dos demais municípios do TFA). Por onde passava Fúlvio deixava ou sua crítica política - relacionada a falta de moradia, saneamento, postos de trabalho, educação etc. - ou agia com propósito de animar a fé dos católicos quando pintava nos templos (muitos desenhados e arquitetados por ele) cenas inspiradas dos Evangelhos. Por isso, o conjunto de sua empreitada artístico-missionária foi acompanhada de um valoroso trabalho junto a formação educativa de jovens e crianças nas várias “oficinas” ou “escolinhas de artes” edificadas em Santana ou em Macapá (AP).

O desafio na atualidade é aprofundar, gradativamente, os estudos a respeito das obras do Fúlvio Giuliano, destacando as várias dimensões de seus trabalhos, dando ampla visibilidade de suas produções artísticas à comunidade em geral, sem perder de vista o papel embrionário do missionário para o campo da história da educação na dimensão das artes plásticas no Amapá.


Cristiane Ferreira

Curadora